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Uma Obra Profética da Memória Urbana

por Adalice Araújo
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Natural de Sacramento (Minas Gerais), 1954, José Antonio de Lima é graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina. Tendo residido em Maringá, integra-se ao meio de artistas plásticos maringaenses que conta com interessantes personalidades como: Paolo Ridolfi, Reico Suzuki Assahi e Antônio Rizzo. Este último é, aliás, o apresentador da exposição que, em 88, José Antonio realizou com outros artistas nacionais no Museu Guido Viaro. Embora mencionando os materiais que ele ainda hoje utiliza, Rizzo chama a atenção para uma característica fundamental para se compreender toda a sua obra: o fato de se tratar de um repórter fotográfico. Não que José Antonio de Lima tenha sido ou continua sendo um pintor realista. Muito pelo contrário, já àquela época praticava uma figuração gestual próxima do neo-expressionismo, mas na qual, se olharmos com mais atenção, descobrimos uma subjetiva reportagem fotográfica da psique humana. Tendo-se radicado em Curitiba, opera-se em seu trabalho uma profunda modificação, contudo a reportagem fotográfica permanece em seu substrato, só que deslocada para os detalhes das ruas, seus rejeitos cambiantes no dia-a-dia, o brilho do asfalto, os signos urbanos e o incrível fascínio que sente pelas antigas tampas de ferro de bueiros, algumas já centenárias, cuja beleza passa despercebida do transeunte apressado.
Portanto, profundamente envolvido com a memória urbana, José Antonio de Lima, ao mesmo tempo que registra, em suas propostas, os artefatos do cotidiano, decodifica-os, transformando-os em ícones atemporais, relacionados tanto com o passado como com o futuro. Embora seu trabalho esteja abstrato está muito longe da lógica matemática que animou o construtivismo paulista. Em vez da disciplina da matéria que lembra o design, a sua obra é a própria poética da desconstrução, apoiada na intuição, no sensível e no resgate da memória.
Suas propostas bidimensionais, mais recentes, têm o formato de caixas que prescindem de molduras. A técnica que adota é pessoal e reveladora do seu processo de criação. Ele recicla papéis diversos, dissolvidos ou não em liquidificador, aos quais anexa óxidos sintéticos, cola, massa corrida, grafite, parafinas, cera e sucatas. Um dado curioso é que trabalha com terras que recolhe de todo o Paraná, cujos tons variam conforme a região. Sua cromia embora limitada é requintada, não faltando os negros e as cintilações dos pratas. Seus instrumentos de trabalho são: pincéis, espátulas, objetos de ponta, pentes e esmeril, entre outros. Anulando fronteiras  – entre pinturas, desenho, relevo e gravura sobre a compacta massa que anexa a superfície/suporte, tanto trabalha com a adesão de material, a exemplo da colagem, ou do próprio volume, como com a sua retirada através de gravação. Resultam graffitis que simultaneamente aludem às obras dos grafiteiros contemporâneos que Norman Mailer define como uma rebelião tribal contra à opressora civilização industrial; como as gravações pré-históricas do levante espanhol que inspiram grandes artistas a exemplo de Juan Miró. Efetivamente, José Antonio de Lima propõe signos dotados de uma grande pureza de visão, ao mesmo tempo reveladores de uma ligação muito forte com a imagética universal que se torna cada vez mais depurada.  Ele confessa: “Produzir arte para mim é uma necessidade vital. Sinto também que o ser humano é um receptor de energias universais, assim, tento através da arte resgatar e congelar imagens informativas daquilo que percebo e sinto com relação ao meu universo e talvez (ou também) com relação ao grande universo”.
Seus instigantes objetos de formas geométricas lembram menires do século XXI que perdem sua rigidez para se inclinarem, em uma modulação rítmica, como flechas que apontam para um rumo desconhecido. Dotados de uma geometria flexível funcionam como fontes vivas de magnetismo. Seriam, talvez, o que restará como marco de nossa civilização caso se concretizem as aterradoras profecias de Nostradamus e que a Guerra do Golfo Pérsico recoloca como uma interrogação tão presente em nossa memória.

Gazeta do Povo, Curitiba, domingo, 24 de fevereiro de 1991.
 

*Artista plástica, historiadora, professora e crítica de arte, Adalice Araújo morreu em 8 de outubro de 2012, aos 81 anos. Nasceu em 1931, em Ponta Grossa, cursou Belas Artes em Curitiba e fez cursos na Itália. Publicou colunas de crítica de artes visuais entre o final de 1960 a 1995, nos jornais Diário do Paraná e Gazeta do Povo. Lecionou na Escola de Música e Belas Artes do Paraná e na Universidade Federal do Paraná. Em 2003, recebeu o Prêmio Mário de Andrade e, em 2006, o Prêmio Gonzaga Duque, ambos da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), por sua atuação e publicação do Dicionário das Artes Plásticas. O Tomo I deste dicionário foi publicado em 2006.

 

1991

Técnica mista sobre madeira

Mixed media on wood

125cm x 185cm

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