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José Antonio de Lima, Artista

por Orlando Dasilva*
 

 

Geralmente o vazio invade a obra de arte trabalhada com o símbolo geométrico. É a insipidez do já visto e repetido, o plágio consentido e admitido, em que a técnica sempre brilha mais que o sentimento. Tal não acontece com a arte de José Antonio de Lima.
Ao visitar sua exposição, que se encerra hoje no Museu Guido Viaro (rua São Francisco, 319), tem-se a impressão de se estar entrando na intimidade da noite, a escuridão representada pelo preto e o luar pelo prateado lá estão para nos conduzirem nos mistérios dos sentimentos. Nesta mostra respira-se um clima próprio, que não é de personalidade emprestada ou artificial.
É intrigante a relação que José Antonio de Lima cria entre o desenho, a pintura e a escultura, diluindo fronteiras entre estas técnicas. Do desenho temos a forma e a linha; da pintura a cor, nuanças e atmosfera; da escultura o relevo e o cavado, o acréscimo e o resgate. Em cada peça uma só unidade. Nos quadros, o plano é destruído pela adição dos materiais, os mais diversos. Muitas vezes trabalhados pela forma e modelados pela linha. O preto liga tudo, donde emerge constantemente o prateado, e aqui e ali uma cor definida, e necessária à harmonia do conjunto.
Em outros trabalhos estas superfícies se desdobram em caixas de diversos formatos. E aí caminhamos para peças com características mais definidas da escultura. Uma escultura de identificação toda pessoal, sem trabalhar com os vazios ou com a luz. É uma espécie de obelisco/totem construído com ângulos e superfícies retas, que permitem valores coloridos e tonais, e também acrescentar formas em relevos. São monstros agressivos que estão clamando amplidão, de tamanho próprio, e espaços abertos com muito chão e céus. Pedindo também materiais mais brutos, como o concreto e o ferro. Seriam momentos em diálogo com a natureza. Que colocariam o homem em suas devidas proporções.
Este aspecto, a verdade brutal provocada pela obra de arte – não facilita aceitação plena e imediata dos trabalhos de José Antonio de Lima. A sua obra tem uma mensagem áspera que só as pessoas mais sensíveis e requintadas são capazes de ler, traduzir e aceitar. Não é uma arte de curtição, é uma arte introvertida, fechada, de vagarosas descobertas. Por aí vemos que o artista tem um caminho de muitos mistérios a percorrer e desvendar sem que, continuando acordado, encontre uma parada castradora.
Mas não pense que nesta exposição só vamos encontrar o trabalho de expressão severa. Lá também vemos a pintura suave com fortes tons de poesia. É quando a cor se sobressai do preto e vai se esvaindo em tons harmônicos, quando a forma mostra-se presente e logo se indefine, criando espaços plásticos, ainda quando a textura serve para unificar a visão. Arte como a praticada por José Antonio de Lima requer do artista uma constante vigilância para não se deixar seduzir por modismos de fácil adoção, ou estacionar num possível sucesso, e do público uma total doação, sem o preconceito do já visto, aprovado e aplaudido.  

O Estado do Paraná, coluna “A Palavra é Minha”. Curitiba, domingo, 17 de junho de 1990.

 

*Um dos grandes mestres da gravura brasileira, Orlando Dasilva nasceu em 1923, no Porto, em Portugal, e aos noves anos mudou-se para o Rio de Janeiro. Viveu boa parte de sua vida em Curitiba, onde morreu em 2012. Por muitos anos, manteve a coluna de arte “A Palavra é Minha”, no jornal O Estado do Paraná. Foi um dos maiores pesquisadores da gravura brasileira, lançando um primeiro olhar crítico sobre a obra de Carlos Oswald, Guido Viaro, Poty Lazzarotto e Marcelo Grassmann.

1992

Série Totens

Técnica mista

Mixed Media

190cm x 110cm x 70cm

Incentivo:

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