Fazer Visível
por Guillermo Machuca*
Escrevo este texto sobre o trabalho visual do artista brasileiro José Antonio de Lima, a partir da observação de uma série de reproduções de sua obra impressas em três catálogos (um no ano de 2001 e os seguintes de 2004). À primeira vista, os aspectos formais e temáticos projetados pela sua obra se distinguem daqueles com os quais me tenho relacionado em meu trabalho como crítico de arte. De maneira geral, as obras que me chamaram a atenção profissionalmente são as que se moveram no amplo espectro aberto pela arte pós-vanguardista — em suas versões mais experimentais e críticas —, e apenas em poucas ocasiões dediquei tempo àquelas fora deste campo.
Entretanto, existem determinadas propostas estéticas que superam as margens rígidas que se constroem em âmbito profissional. Nesse caso, este tipo de produção obriga a uma suspensão de juízos e noções preconcebidas, expandindo seus limites até determinados setores da sensibilidade e imaginação não avistados pelo pensamento estético do tipo analítico-conceitual. A obra de José Antonio de Lima desafia esses preconceitos cunhados por certa estética moderna de raiz calvinista. Com relação a isso, o crítico Fabrício Vaz Nunes, em um dos catálogos dedicados à obra de José Antonio, aludia a como a arte brasileira se havia hegemonizado a partir dos anos sessenta em diante, através das diversas tendências da arte conceitual. Frente à dita hegemonia — exemplificada pela arte corporal, o midiático, o urbano e natural, e as variadas formas da arte-objeto e instalações —, o trabalho de José Antonio de Lima oferece um afastamento interessante do ponto de vista formal e temático; esse afastamento se sustenta na forma, na cor, na linha e no volume. Trata-se, neste ponto, de uma abertura em direção às fronteiras da sensibilidade que, de maneira inesperada, foram de certo modo recuperadas por um setor importante da arte pós-moderna. Essa recuperação foi respaldada também por privilegiar um olhar que enfatiza determinados aspectos visuais de acordo com as incertezas e turbulências projetadas pelo corpo e pela natureza (neste caso, representados pela potência do signo e suas referências orgânicas).
Frente à hegemonia da arte não-conceitual, certas produções de natureza “romântica” sugerem uma revisão necessária dos fundamentos materiais e lingüísticos que articularam a arte moderna. Como se sabe, a história da arte (que no Ocidente tem sido a narração da pintura) supõe duas etapas marcadas claramente: a figurativa e a abstrata. A primeira, sustentada por uma reprodução do real; a segunda, numa invenção formal (simultaneamente a essas duas formas se desprendem as forças poderosas da cultura de massa e da indústria cultural).
Contudo, é possível também incorporar uma terceira etapa. Esta tem a ver com a possibilidade aberta por uma concepção mais figural da visualidade. A obra de José Antonio de Lima se coloca obliquamente às estéticas imitativas e abstratas. Em contradição à arte não figurativa (mais propriamente, a arte modernista) e às várias formas e linguagens proporcionadas pela chamada indústria cultural, seu trabalho põe em cena certos aspectos visuais que apenas a arte pode oferecer ou representar. Estas formas, em sua obra, remetem a uma determinada tradição pré-moderna americana, porém aberta a toda produção que dê alento a uma concepção selvagem e arcaica da visualidade. De certo modo, em plena ebulição das Vanguardas Históricas, este tipo de estética foi prenunciada por Paul Klee e os expressionistas. Frente à hegemonia da arte abstrata, o pintor suíço opôs um suplemento de sentido orientado a uma superação dos experimentos formais do modernismo — e logo referendada pela arte informalista e neoexpressionista. A obra de Klee ensina que pintar não é reproduzir o visível e sim, tornar visível.
Em contextos geográficos e culturais como o nosso, a chegada do modernismo racionalista (e suas manifestações vanguardistas, como em Joaquín Torres García, por exemplo) tem sido continuamente matizada pela preeminência de uma série de turbulências desencadeadas pela realidade física e simbólica da própria arte do continente. Neste ponto, os conteúdos e associações formais e simbólicos derivados do solo ou da essência americana — com o perigo de reafirmar um conceito essencialista do telúrico — se sobrepuseram ao interior dos processos de modernização científicos e tecnológicos característicos de contextos em vias de desenvolvimento como o latino-americano. Somos, neste sentido, bárbaros modernos.
As obras como as de José Antonio de Lima se imprimem no interior de um imaginário que resiste à implacável dominação do discurso global; ensinam que uma possibilidade de resistência passa por tornar visível aquilo que, apesar da mundialização do planeta, resiste a desaparecer. Em sua obra, a natureza opera como uma linguagem de resistência. Trata-se de propostas estéticas necessárias ao momento de pensar a arte latino-americana no instante de dissolução no interior de uma cultura cada vez mais indiferenciada.
Santiago, maio de 2006. Publicado no livro Visibilidades, de José Antonio de Lima.
*Crítico, curador e historiador de arte chileno formado em Teoria e História da Arte na Universidade do Chile (1987). Professor de história da arte contemporânea e da história da arte do Chile em diversas universidades chilenas, é autor de estudos sobre artistas nacionais como Pablo Langlois, Carlos Montes de Oca e Arturo Duclos, entre outros.

Exposição Visibilidades,
no Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, 2006.
Visibilidades exhibition, at Oscar Niemeyer Museum, Curitiba, PR, 2006.